domingo, 28 de março de 2010

Coisas de Amor largadas na noite

Recebi na 5ª feira o livro do André Gonçalves, Coisas de Amor largadas na noite.
Formato diferente do livro convencional é composto de fichas cuja leitura torna-se muito agradável.
Adquira também o “Coisas” através do e-mail: andrepiaui@hotmail.com
Minidicionário das Pequenas Grandes Coisas
Abraço:
1. habitat natural do carinho;
2. base alimentar de animal popularmente chamado de amor;
3. verdadeiro objetivo do gol;
4. porto seguro;
5. prozac natural;
6. beijo de umbigos;
7. transfusão de afeto;
8. ato de envelopar quem se ama;
9. Espantalho de saudades;
10. felicidade cheia de braços;
11. abrigo anti-aéreo;
12. sistema de calefação ecologicamente correto;
13. plano B de quem dá adeus;
14. apelido de um senhor de nome amplexo;
15. AR 15 do tamanduá;
16. aquilo que Gil manda para Terezinha, para o Chacrinha e para a torcida do Flamengo;
17. antônimo de longe.
(Ex.: “Vem, moça de abril, e me dá um abraço com seu sorriso e me leva pra bem longe da saudade de quem um dia ainda vamos ser.”.
André Gonçalves, in: Coisas de Amor Largadas na Noite

quarta-feira, 17 de março de 2010

Divorciada aos 10 anos


A incrível história de uma menina chamada Nujood

Ela sai de casa para comprar pão para a família. É o único momento que terá. Seu coração bate tão forte e tão rápido que teme que o escutem. Deixa as ruas conhecidas e dirige-se à avenida. Nas mãos, tem o pouco dinheiro que a segunda esposa do pai botou em suas mãos, dinheiro ganho pedindo nas ruas. E o dinheiro do pão, também ganho pedindo nas ruas. Ela é a única criança sem acompanhante. Olha para o chão. Salta para dentro do ônibus junto com a multidão. Escapa.


Quando o ônibus a deixa nas ruas novamente, ela não sabe como vai atravessar a avenida de tráfego insano. Ela nunca fez isso antes. Ela nunca fez tanta coisa antes. Avista o táxi. E faz sinal, como viu sua irmã mais velha fazer um dia. Entra no táxi e diz: “Me leve ao tribunal”. O motorista estranha, mas nada diz. Na corte, há tanta gente, e ela não sabe a quem se dirigir. Então avista a mulher numa mesa e anuncia: “Quero falar com o juiz”.


A mulher faz muitas perguntas. Ela só repete: “Quero falar com o juiz”. Finalmente a mulher a leva até uma sala onde, ao longe, sentado atrás de uma mesa, ela vê um homem parecido com aqueles que viu na televisão do vizinho. Espera a sua vez pensando no mar que sonha conhecer. Ela tem um oceano inteiro na cabeça, como todas as crianças que precisam imaginar para vencer dias em que a sobrevivência é arrancada minuto a minuto. A sala se esvazia. É a sua vez. Ela se posta diante do juiz. Diz:

– Quero o divórcio.


Era 2 de abril de 2008. Em Sanaa, capital do Iêmen. Neste dia, Nujood Ali, uma menina de 10 anos, torna-se maior do que qualquer das lendas de sua infância brutalmente interrompida. Sozinha, metida no véu preto das mulheres casadas, ela atravessa um mundo para transformá-lo para sempre.


Sua história em livro, escrita com a ajuda de uma jornalista radicada em Beirute, Delphine Minoui, acaba de ter a versão em inglês lançada nos Estados Unidos – I am Nujood, Age 10 and Divorced (“Eu sou Nujood, 10 anos e divorciada” – Three Rivers Press, 2010).


O que me capturou na história de Nujood, além do extraordinário explícito, foi compreender que tipo de força moveu uma menina de 10 anos a vencer as ruas de uma cidade caótica e séculos de submissão para alcançar a mesa do juiz de um país muçulmano para pedir o divórcio. Quando fazem a ela a pergunta – como você foi capaz? –, a pequena Nujood apenas diz: “Eu não suportava mais”.


Era isso. Ela não suportava mais.


Olho para o globo na minha escrivaninha xerife – tenho um mini que levo a todos os lugares onde trabalho para nunca me esquecer que o mundo é grande e a pequenez não vale nem a pena nem a vida. Quero compreender melhor Nujood. O Iêmen é distante para mim.


As últimas notícias que ouvi sobre esse país tão longe de nós contavam que a Al Qaeda havia transferido sua base de operações terroristas para lá. No passado, os romanos chamavam a região de “Arábia Feliz”, porque suas terras eram as mais férteis e irrigadas da desértica península arábica. A rica rainha de Sabá, citada na Bíblia, era dessa terra solar.


A região teve muitos conquistadores, de turcos otomanos a britânicos. O Iêmen do Norte tornou-se republicano nos anos 60 e sofreu uma sucessão de golpes militares durante os 70. Na mesma época, o Iêmen do Sul tornou-se o único estado comunista do Oriente Médio. Apenas em 1990 o Iêmen fundiu-se em uma só nação, até hoje assolada por conflitos separatistas que já geraram mais de 150 mil refugiados.

Não por acaso a Al Qaeda acha que é uma boa ideia se estabelecer nesse país convulsionado de 23,6 milhões de habitantes: além de preencher os requisitos geográficos, 41% da população é analfabeta, quase metade vive abaixo da linha de pobreza e o desemprego atinge um quarto da força de trabalho.


Nujood é filha de uma dessas famílias abaixo da linha de pobreza. Migrou para a capital, Sanaa, com seus pais e irmãos, depois de serem expulsos de sua aldeia no campo em uma desavença que envolveu o estupro de uma das irmãs mais velhas. Na cidade, o pai perdeu o emprego e não conseguiu outro, os filhos passaram a vender bugigangas e a pedir esmolas nas avenidas, como fazem a maioria de seus vizinhos. Apesar de seu país ter um presidente e uma legislação unificada, o mundo de Nujood é ainda aquele que se curva à tradição e ao poder dos chefes locais. A força dos costumes revela-se no ditado popular: “Se quiser garantir um casamento feliz, case-se com uma menina de 9 anos”.


Não é uma brincadeira. Metade das meninas do Iêmen é casada por seus pais na infância e na adolescência com homens adultos. Quando o pai de Nujood anunciou que a entregara em casamento a um homem de sua aldeia, na faixa dos 30 anos, aos olhos de seu mundo não estava fazendo nada nem errado nem incomum. Mona, a irmã preferida de Nujood, levantou os olhos num movimento que deve ter lhe custado muito e disse: “Ela é muito jovem para se casar”. O pai retrucou: “Muito jovem? Quando o profeta Mohammad desposou Aïsha, ela tinha apenas 9 anos”. Depois, o pai ainda afirmou: “Ele prometeu não tocá-la antes da primeira menstruação”.

Em fevereiro de 2008, dois meses antes de postar-se diante do juiz e mudar um mundo inteiro, Nujood foi casada contra a sua vontade. E levada pelo marido desconhecido de volta à aldeia onde nasceu. Na mesma noite, foi violentada por esse homem cheirando a cebola. Nujood gritou, pediu socorro à sogra, correu e derrubou coisas pelo caminho. Silêncio. Ninguém a acudiu. Quando se sentiu queimar por dentro, e uma dor além do suportável, desmaiou.


No dia seguinte, nua e machucada, foi acordada pela sogra e pela cunhada: “Parabéns!”. E assim seguiram-se as horas de sua nova vida de criança casada, trabalhando na cozinha durante o dia, sendo estuprada e espancada à noite. Maltratada pelas mulheres da família do marido e pelas vizinhas por gritar e chorar nas madrugadas, o que consistia numa rebeldia inaceitável.


No mês seguinte, o marido a levou à capital e consentiu que ela ficasse algumas semanas na casa de sua família. Nujood achou que estaria salva. Mas o pai disse a ela que agora era uma mulher casada e seu lugar era ao lado do marido. Do contrário, estaria jogando na lama a honra da família. A mãe afirmou que a vida de todas as mulheres era assim, que era preciso se resignar e aceitar seu destino.


Com o tempo se esgotando, Nujood descobriu que estava sozinha. Como último recurso, bateu no pobre apartamento onde a segunda esposa do pai vivia com cinco filhos, à custa de pedir esmolas nas ruas. Depois de ouvi-la, a jovem mulher disse: “Você precisa ir ao tribunal”. E fechou as mãos da menina sobre o pouco dinheiro que conseguira naquele dia.


Na manhã seguinte, quando a mãe disse a Nujood que fosse comprar pão para a família, a menina atravessou o mundo e postou-se diante do juiz.


O juiz e seus colegas acolheram Nujood. Shada Nasser, advogada iemenita e ativista dos direitos das mulheres, assumiu sua causa. Um repórter brilhante, Hamed Thabet, e a editora-chefe do jornal Yemen Times, Nadia Abdulaziz al-Saqqaf, fizeram um grande barulho na imprensa, que atravessou as fronteiras e se espalhou pelo Ocidente. Nujood começou a conhecer uma outra face da sociedade iemenita, culta e progressista, onde as mulheres não se sentiam obrigadas a cobrir o rosto e o corpo com niqabs, estudavam e elegiam seus destinos.


Em 15 de abril de 2008 Nujood tornou-se a primeira esposa-criança a obter o divórcio no Iêmen. Hoje, com 12 anos, vive com sua família. No princípio, os pais e os irmãos achavam que ela tinha lançado vergonha sobre seu nome. Agora, que os royalties do livro garantem uma parte do sustento de todos, sua história tornou-se mais palatável. Em casa, não se fala sobre o que aconteceu. O irmão mais velho apenas anuncia, a voz irritada, que mais um jornalista estrangeiro está batendo na porta.


Nujood e sua irmã menor voltaram para a escola. E esta é outra face extraordinária da história de Nujood: depois de toda a violência, ela voltou a ser criança. Mais madura, mais sábia, mais doída, mais livre. Ainda assim, de volta à infância como uma criança que brinca, desenha e sonha.


Como repórter, acompanhei muitas histórias de crianças violadas de todas as maneiras. Percebi que só sobreviviam com chance de ter uma vida àquelas que conseguiam manter dentro de si algo de intacto. Uma parte delas mesmas que seus algozes não conseguiam alcançar. Com essa ínfima parcela íntegra nos confins de si mesmas, quando tinham a sorte de serem salvas, reinventavam uma vida. As que não conseguiam, as que eram violadas por inteiro, podiam seguir respirando, mas estavam mortas. E não há nada mais brutal do que o rosto de uma criança morta que respira.


Ao ler a história de Nujood, penso que com ela se passou algo assim. E, por mais paradoxal que pareça, acredito que ela tenha encontrado forças para sobreviver e para resistir porque era amada por sua família e, mesmo em meio à pobreza e a dificuldades de toda ordem, conheceu momentos de alegria. Pela memória, pela imaginação e pelo sonho, Nujood manteve sua subjetividade intacta. E, por fim, encontrou alguém que a escutou: a segunda esposa do pai, os juízes da corte.


Nujood tornou-se o fio de esperança e de possibilidade onde as meninas casadas do Iêmen podem se agarrar para alcançar um destino novo. Depois de seu exemplo, outras duas garotas, Arwa, de 9 anos, e Rhim, de 12, foram à corte pedir o divórcio. O parlamento iemenita aprovou uma lei proibindo casamentos antes dos 17 anos para ambos os sexos. Ainda que no interior do Iêmen as leis tribais e os costumes pesem mais que a legislação oficial, é um começo promissor. Na vizinha Arábia Saudita, outra criança entregue pelo pai a um homem na faixa dos 50 anos pediu o divórcio. A menina tinha 8 anos.


Este é o momento em que muitos de nós, brasileiros, suspiramos aliviados. Gratos por viver em um país menos arcaico, onde coisas assim não acontecem. O Iêmen, trazido para perto de nós por Nujood, volta a tornar-se borrado no tempo e no espaço, longe e diferente demais para nos reconhecermos nele. Exótico.


Não é o que vejo. Guardadas as enormes diferenças culturais e históricas, há muito de semelhante que deixamos de enxergar. E não apenas a prostituição infantil diante de nossos olhos nas capitais do Nordeste e do Norte, nas estradas que cortam o país, no interior de São Paulo, em todos os lugares.


Não foi o Superior Tribunal de Justiça do Brasil que, em 2009, absolveu o corredor Zequinha Barbosa e seu assessor, Luiz Otávio da Anunciação, acusados de terem feito sexo com três meninas, de 13, 14 e 15 anos, em troca de valores entre R$ 60 e R$ 80? A justificativa: as garotas já eram “prostitutas reconhecidas”. Não foi o ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que em 1996 absolveu um homem que tinha feito sexo com uma garota de 12 anos? O argumento: “Nos nossos dias, não há crianças, mas moças de 12 anos”.


Nessas duas decisões antológicas, é importante assinalar, não estamos falando dos fóruns estropiados dos rincões do Brasil, mas das cortes superiores. Se aplicassem a lógica contida nessas decisões, diante do pedido de Nujood os juízes do Iêmen poderiam argumentar que: 1) casamentos de meninas fazem parte da tradição do país; 2) ela já não era uma virgem, mas uma “esposa reconhecida”; 3) Não existem crianças de 10 anos no Iêmen, mas moças. E, com tantos bons argumentos, poderiam ter despachado Nujood de volta ao inferno. Benditos juízes do “exótico” Iêmen.


Para muitos – como Nujood lá do outro lado do mundo, como milhares aqui –, a Justiça não é o último recurso, mas o único que têm para conter a violência da qual são vítimas. Se ela falha ao deixar de escutar ou tarda demais, arrebenta a vida daquele indivíduo que sofre – e corrompe a todos nós.


Em 2006, busquei investigar um fenômeno novo: as viúvas-crianças do tráfico. Na periferia de Fortaleza, entrevistei uma menina que, se escrevesse um livro como o de Nujood, poderia ter o seguinte título: xxxxxx , 14 anos, viúva, uma filha. Não posso dar o nome sem violar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas ela estava lá, conversando comigo com a filha nos braços. E sua história foi contada em meu terceiro livro.


A garota vivia com um assaltante viciado em crack por vontade própria. Quando ele foi assassinado, tinha 13 anos e estava grávida. Este não era um drama para ela. A tragédia era voltar para o barraco da família. Tinha escolha? Nenhuma.


Em 1997, numa reportagem sobre incesto, entrevistei uma menina de 12 anos que havia sido estuprada pelo pai numa das maiores cidades do interior do Rio Grande do Sul. Ao longo de seu terrível relato, ela me contou que agora namorava o policial que havia atendido o seu caso. Ou seja: aquele que tinha, oficialmente, como representante do Estado, o dever de defendê-la dos abusos do pai e de qualquer outra violação, botou o pai na cadeia e passou a abusar dela. Eu o denunciei. Mas com certeza não é o único caso.


Conto estas histórias aqui porque não acredito no jornalismo que transforma o outro em exótico. Aquele que permite aos leitores acreditarem que a violência e a injustiça pertencem ao outro – e, neste caso, ao outro do outro lado do mundo. Prefiro que meus leitores não respirem aliviados nem se sintam tão a salvos. O mundo só começa a mudar quando olhamos para dentro de nós – e para o nosso quintal – com a verdade possível.


O que mais me fascina, na história de Nujood, é a força que moveu essa criança de 10 anos a atravessar sozinha a cidade e vencer séculos de opressão para dizer uma frase que continha o mundo inteiro: “Quero o divórcio”. Nujood não dá a si mesma nenhuma qualidade especial. Com sinceridade, ela apenas diz a todos que insistem em compreender o extraordinário que ela contém: “Eu não suportava mais”. Em sua simplicidade, ela não permite que lhe atribuam algo de especial – e então outras meninas não poderiam seguir o mesmo caminho por não possuir este algo a mais.


Acho que é isso que ela também nos dá. Nas pequenas e nas grandes tragédias da vida de cada um de nós – e de nossa comunidade, de nosso país, do planeta – às vezes, tudo o que precisamos dizer para os outros e principalmente para nós mesmos é isso: “Eu não suporto mais”.


Estamos, então, prontos para atravessar a rua de nós mesmos. E mudar nosso pequeno mundo.



Eliane Brum, Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).

Revista Época, 15/03/2010

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI126936-15230,00-DIVORCIADA+AOS+ANOS.html

domingo, 14 de março de 2010

Dia Nacional da Poesia

No dia nacional da poesia, Leminski em Vazio Agudo.
Meu abraço carinhoso aos amigos poetas.




terça-feira, 9 de março de 2010

Nathalia

Às vezes eu tenho a impressão de que alguns sorrisos são ondas que começam no coração, brincam de sol nos olhos e, instantaneamente, levam clarão para a boca, para o rosto todo, para a vida inteirinha.

Ana Jácomo

Nath,

Seu sorriso é assim, ilumina e contagia as pessoas a sua volta.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Helena


A mulher que foi a referência da minha vida.


Mamãe que com sua fé inabalável, seu amor incondicional, mostrou-me o caminho da solidariedade, da compaixão, do amor e do carinho como formas de interação com o mundo.

Minha saudade.



sexta-feira, 5 de março de 2010

Um Durango na Daslu

Sempre tive vontade de conhecer essa tal de Daslu.
Já que estava em São Paulo, por que não ir? Ainda mais depois que me disseram que lá não existe nenhuma peça que custe menos de três dígitos, resolvi dar uma de São Tomé e ver para crer.

A entrada já foi um problema. O segurança perguntou pelo meu carro – ou motorista. Quem já foi sabe muito bem: na Daslu - acreditem - não se entra a pé, somente motorizado. Fingi que não era comigo e entrei.

Fui recepcionado por uma loira escultural com sorriso de anúncio de dentifrício, uma sósia escrita e escarrada da Ana Hickman - com direito a 1m30 de pernas, chapinha no cabelo, olho azul e muito mais.

- 'Where are you from?'.
- 'Belém do Pará'.
- 'I beg your pardon!'

Tava na cara que eu não era paulistano. Mas daí a me confundir com gringo, já é demais. Eu lá tenho cara de estrangeiro! Como um cão sabujo, onde eu ia, ela ia
atrás.

Dos milhares de itens que admirei boquiaberto, um em particular me encantou. Uma bolsa tiracolo Prada pra lá de maneira que imaginei que coubesse no meu orçamento. Ressabiado, indaguei o preço.

- 'Nove, apenas nove. E o senhor pode dividir em três vezes no cartão'.

- 'Nove o quê?'
- 'Nove mil...'
- 'Égua!'

A pequena ficou tão assustada com minha reação que cheguei a pensar que fosse chamar os seguranças. Mas não. Acho que ela sacou que daquele mato não sairia cachorro, no máximo um carrapato. Fechou a cara, deu meia-volta e sumiu. Já que estava na chuva, resolvi me molhar.

Entrei num salão onde só tinha Armani. Como já estava enturmado, perguntei o preço de um 'vestidinho' de festa. Adivinhem? 100.000 pilas. Tu és doido! Uma estola de zibelina? 60.000.

Fico imaginando quantos bichinhos foram sacrificados para esquentar o lombo de uma madame. Um blaser Ermenegildo Zegna (isso lá é nome de grife?), 13.000.

Um óculos Gucci, 4.500. Uma cuequinha básica do Valentino, 260. Com direito a ouvir essa pérola do vendedor:
- 'Leve logo meia dúzia, tá na promoção!'. Imaginem quanto ela custava antes.

Na adega climatizada não foi diferente. Um Romaneé-Conti, safra 2000 - aquele do Lula - estava por módicos 8.000 reais. Uma garrafa de Johnnie Walker Blue, envelhecida 80 anos - uma das raras existentes no planeta, 55.000.

Fiz as contas e verifiquei que no final saí no lucro. 'Charlei', vi gente famosa, coisas bonitas, tomei mineral Badoit, capuccino, Prosecco, champanhe Taittinger, fartei-me de canapés, fois gras, blinis com caviar (não era Beluga). Sou duro, mas sei o que é bom. Até confit de canard tracei. De quebra, profiteroles e apetitosos bombons trufados. As horas passaram voando. Minha acompanhante finalmente apareceu e perguntou:
- 'Vamos almoçar?'
- 'Almoço? Estou almoçado e jantado!'

Depois de conhecer quase tudo descobri que a Daslu é uma espécie de zoológico sem grades. Só que os bichos somos nós. Eu e você. Acabado, me esparramei num confortável sofá. Enquanto esperava o resto da turma chegar, abri um livro e relaxei. Mal virei a segunda página, dois novos ricos falando alto, com mais sacolas do que mãos, sentaram ao meu lado esnobando:
- 'Amanhã vamos para o nosso haras em Catanduva. O réveillon será no Guarujá'.

Me deu uma raiva... Peguei meu celular e resolvi mentir um pouco:
- 'Paulo, não encontrei nenhum 'Summer' para o réveillon. Abastece o jatinho.
Partimos amanhã cedo para Paris. Essa Daslu tá um lixo!'
A cara que os dois fizeram, não tem preço...

Denis Cavalcante

quarta-feira, 3 de março de 2010

Bom dia!

Começar o dia com esse bilhetinho na geladeira é prenúncio de dia feliz.




Obrigada filha.

Leve sempre contigo o meu afeto.

Te amo!



terça-feira, 2 de março de 2010

Cabelo Bandido


Imagem: Google


A mulher que já nasceu escrava do cabelo bandido

Sou escrava dos meus cabelos desde que me entendo por gente. Ainda criança, pedia à babá que os enrolasse e depois ficava encantada com a minha própria imagem de cachinhos dourados refletida no espelho. Então veio a adolescência enfatizando a vaidade e, junto com ela, uma paixão escondida que nutria por um menino do ginásio. Em nome das duas, vaidade e paixão, passei a dormir todas as noites (ou a tentar fazê-lo) de rolos, mesmo que eles repuxassem meu couro cabeludo, que os grampos o espetassem como uma coroa de espinhos e que vovó dissesse que eu ia acabar careca.

Era uma verdadeira tortura que eu suportava contanto que os cabelos ficassem pra dentro, tipo ''pagem'', com uma única onda em cima do olho. Tudo por causa da moda e do menino do ginásio, que chegava de moto, nem te ligo pra mim... Então eu voltava pra casa e falava sozinha defronte ao espelho, em inglês, como nos filmes da Metro, imaginando o motoqueiro do colégio se declarar:

- I love you...

Depois, com os anos 60, vieram os Beatles. Fui vê-los no Teatro Olympia, em Paris, e esperá-los na porta de saída pra gritar de histeria, na chuva, no meio dos outros tietes. Daí em diante, os Beatles passaram a ditar a moda dos pensamentos, palavras e obras de todos os jovens do planeta. Aí começou o problema. Porque cabelos crespos naquela época era sinônimo de palavrão e alisá-los, pra mim, era muito mais difícil que encrespá-los. Então comecei a passá-los a ferro, ajoelhada no chão do quarto de empregada, em frente à tábua de passar roupa, com a mesma babá que um dia os havia ondulado, numa nova modalidade de tortura.

Depois fazia uma touca e colocava um pano por cima achatando-os para que não armassem. Repetia todas as semanas o mesmo ritual e chegávamos ao ponto, eu e minhas amigas, de enrolarmos os cabelos no escurinho do cinema e só soltá-los quando iam acender a luz. Um dia perdi uma paquera porque a luz acendeu enquanto eu tentava desprender o grampo do lenço que, por sua vez, tinha agarrado no brinco. Minha amiga gargalhava e eu escondia o rosto, apavorada, com medo de que o rapaz me visse daquele jeito. Até hoje ele deve achar que lhe dei o bolo, faltando à sessão das quatro.

Depois, mais tarde, quando já era atriz, fiz uma peça viajando pelo Nordeste e não saía do hotel refrigerado pros cabelos não encresparem, enrolando-se nas gotas da umidade local. O cabeleireiro do teatro perguntou se eu queria fazer a ''rodilha depois do mise-en-plis''. Levei um tempo até descobrir que rodilha era touca. E passei a temporada inteira de rodilha, dormindo de touca.

Lugar quente era um problema sério pra mim naquela época, a ponto de me recusar a passar os fins de semana na ilha particular do pai do meu namorado porque teria que mergulhar na água transparente e secá-los ao léu, o que faria com que meu namorado e o da minha amiga descobrissem que tínhamos cabelos crespos.

Então preferíamos Petrópolis, que era frio e tinha tomada e luz elétrica onde podíamos conectar o secador e nos sentir mais protegidas, embora chovesse a cântaros e os respingos e a umidade estragassem todo o nosso mise-en-plis.

Metade da minha vida e dos passeios maravilhosos, perdi, na época, por culpa dos Beatles e dos Rolling Stones, que vieram para nos libertar de muitos tabus, mas não o da forma ou fôrma obrigatória dos cabelos. Então veio a época hippie e resolvi adotar os cachos para, escrava da moda, não parecer careta. Mas me achava horrível! Gostava da bata indiana, da calça boca-de-sino, mas dos cabelos ondulados, forçava a barra pra tolerar.

Até que chegou a fase pós-moderna (graças a Deus!), quando cada um usa a moda que lhe fica melhor, do jeito que lhe der na telha, numa gama de escolhas que vai da década de 20 ao século 21. Escolhi ficar lisa de novo, voltei a enrolar o cabelo, a usar touca. Então fui fazer escova no cabeleireiro e ele perguntou se eu não preferia um alisamento japonês, definitivo. Disse que não. Detesto aquele horror espetado, de ponta seca feito Visconde de Sabugosa. E sobretudo qualquer coisa definitiva!

Então o cabeleireiro ajeitou o piercing do nariz, fez um trejeito contrariado e disse que pra cabelo ''bandido'' era o único jeito. Perguntei o que era cabelo bandido e ele respondeu mal-humorado:

- É aquele, madame, que quando não está preso, está armado.

Maria Lucia Dahl , JB, 23/04/2004



segunda-feira, 1 de março de 2010

Eliane Stoducto

1º de Março de 2010. Aniversário da Cidade do Rio de Janeiro. Dia chuvosa, triste, cinzento como a saudade que sinto de você.

Na minha lembrança você continua como essa poesia:


“densa, quente
transbordante


fria, chata e
anarquista


prato, talher,
guardanapo


mesa posta
pra analista”
Eliane Stoducto